Originário
da contra-cultura dos anos 60, o movimento squatter ganhou o mundo com
seus ideais de solidariedade e afronta aos valores do sistema
capitalista.
Por Adriano Belisári, Revista de História da Biblioteca Nacional
Em
toda grande cidade, o abandono de imóveis contrasta com a massa de
desalojados. Enquanto sem-tetos buscam abrigo pelas ruas, proprietários
mantêm suas posses vazias com a esperança de vendê-las no futuro por um
preço vantajoso. Geralmente ignorada pelo poder público, a especulação
imobiliária não passa desapercebida pelos squatters. Nascido na
contra-cultura européia dos anos 60, este movimento ocupa espaços
urbanos ociosos para neles construir verdadeiros centros de resistência
cultural.
Formado basicamente por anarquistas, punks, hippies e comunistas, o
movimento squatter luta contra aquilo que os pesquisadores chamam de gentrificação. Trata-se de um processo de enobrecimento dos espaços urbanos, que ocorre principalmente em pontos centrais das cidades. A gentrificação ocasiona a remoção dos moradores de áreas consideradas degradadas em prol da recuperação econômica do local.
Por sua vez, os squatters promovem outro tipo de revitalização. Após
limpar o prédio abandonado, eles instalam serviços básicos, através de
"puxadinhos" de água, luz e gás. No entanto, a ocupação só é completa
quando o local passa a ser sede de atividades culturais, como a
instalação de bibliotecas, mostras de teatro e poesia e rádios
clandestinas. Eis, então, um autêntico squat. A legalidade de seu
funcionamento varia de acordo com a legislação do país. Enquanto em
muitas regiões a prática é considerada ilegal, na Holanda, por exemplo,
prédios abandonados por longos períodos podem ser ocupados sem
problemas judiciais.
Os squatters também são conhecidos como okupas. Entre eles, o termo
"ocupação" é grafado com K para diferenciar suas intervenções das
outras, marcando o caráter políticos de seus atos. A letra remete ainda
à cultura punk, que, ao lado do anarquismo, forneceu as diretrizes
básicas do movimento squatter. As ocupações são feitas em regime de
autogestão, sem chefes ou líderes. Para os squatters, a construção de
um espaço alternativo baseado em princípios de solidariedade e respeito
mútuo é uma forma de resistir ao pensamento capitalista, centrado nas
noções de propriedade privada e na massificação cultural.
Para
quem acredita que anarquia é sinônimo de bagunça, não faltam exemplos
de organização squatter para provar o contrário. Em Londres, ficou
famoso o caso do Squat 121 Center, que após 18 anos de
existência foi desativado em 1999. Nele, entre outras atividades, os
okupas realizavam ações de amparo à população pobre da cidade. Em
relato à Revista Dynamite, Kuru, brasileiro ex-membro do squat inglês,
afirma que o grupo era formado em grande maioria por revolucionários e
pessoas ligadas à causa ecológica. "A gente ia aos lixos atrás dos
supermercados e feiras. Pegávamos tudo o que eles não queriam mais. Era
muita comida. Às vezes cozinhávamos para quase 100 pessoas", conta.
Pesquisador da Universidade do Estado de Santa Catarina, Cleber Rudy
estuda o movimento squatter e é autor de artigos sobre o tema. Em
entrevista concedida ao site da Revista História da Biblioteca
Nacional, Cleber comenta a atuação destes grupos no Brasil.
Adriano Belisári – Na década de 60, surgiu na Holanda
o movimento Kraker, que possuía atuação bastante semelhante aos
squatters. Qual a sua influência na construção dos squats?
Cleber Rudy: A política squatter é fundamentada no
movimento punk-anarquista, compondo uma espécie de simbiose
squatter-punk. A máxima holandesa dos anos 80, "um punk é um squatter e
vice-versa", ainda que de forma amena, é também seguida no Brasil.
Neste sentido, apesar dos squatters brasileiro não agregarem os
dispositivos de resistência (rádios clandestinas, revistas, livrarias,
advogados especializados, etc) utilizados nas ocupações dos krakers,
este movimento holandês tornou-se um forte referencial de luta para os
ativistas nacionais. Por exemplo, em Curitiba, o squat Payoll mantinha
uma distribuidora de livros e de outros produtos chamada Kraakers, em
homenagem ao movimento dos anarquistas sem-teto de Amsterdã.
AB – Os squatters surgiram no Brasil na década de
90. Antes disso, há registro de grupos que promoviam a ocupação
sistemática de imóveis abandonados?
Cleber: Antes disso, o que se pode constatar são
alternativas comunitárias que tinham como peculiaridade o perímetro
rural, embasadas em princípios ecológicos ou esotéricos e envolvidas
pela contracultura hippie. Todavia, os squatters voltaram-se para as
áreas urbanas, optando por permanecer nas cidades e buscando soluções
ali mesmo, já que eram compostos por punks (outro movimento urbano)
motivados por perspectivas anarquistas. Eles buscavam saídas diante da
especulação imobiliária, defendendo novas maneiras de pensar e agir
como forma de resistência à organização capitalista da vida urbana,
principalmente nos grandes centros.
AB – Quais os principais grupos ainda existentes no Brasil? Como suas atividades são vistas pela mídia e pelo poder público?
Cleber: Existem espaços que ainda resistem. Em
Atibaia, interior de São Paulo, há a Casa Reciclada. Na periferia de
Curitiba, temos a Kaazaa, um dos espaços mais antigos no Brasil, que já
completou 13 anos de ocupação. Em Blumenau, há o Corcel Negro. Em Porto
Alegre, a Kasa de Kultura. É muito raro a grande mídia dar cobertura a
estes movimentos e à trajetória destas experiências. Isto praticamente
só ocorre durante as ações de despejo. Todavia, os squatters possuem
seus próprios dispositivos de comunicação e divulgação, como os zines,
pequenos jornais feitos de forma artesanal e com uma tiragem reduzida.
Eles intercambiam informações entre grupos nacionais e internacionais,
relatando atividades e organizando encontros de confraternização entre
okupas.
Como o movimento squatter se coloca na contra-mão do estabelecido ao
desafiar interesses imobiliários e políticas urbanas, o poder público
tende a se mostrar hostil a tais iniciativas, não vendo distinções
entre espaços ocupados com finalidade de atuarem como centros culturais
e lugares usados como refugio para uso de drogas e depósito de furtos.
Desta forma, o poder público acaba implementando uma legislação, como a
efetivada em Curitiba em 1997, para sancionar o "lacramento completo de
portas e janelas, proibindo a entrada de desconhecidos" em imóveis
abandonados, visando, neste exemplo, coibir o squat Payoll.
AB – Além dos zines, a militância squatter utiliza também as novas tecnologias como forma de divulgar suas atividades?
Cleber: No caso do Movimento Squatter no Brasil, há
ainda um certo receio na utilização de tais meios como um veículo de
propaganda em favor da causa okupa. Aparentemente, tal desconfiança
parece estar ligada a uma precaução face à represália policial, já que
o ato de okupar implica em litígios jurídicos que revelam as dicotomias
entre o direito à vida e o direito à propriedade, em situações em que
se contempla um maior respeito ao direito de propriedade.
AB – Além dos embates com o poder público, os squatters enfrentam outros tipos de ataque?
Cleber: A causa squatter é abraçada grandemente por
anarco-punks, ou seja, jovens que além de seguirem a cultura punk
buscam na política anarquista um mote de embate social em defesa da
liberdade, da igualdade e contra o capital, valendo-se da autogestão e
da solidariedade. Do outro lado do cenário urbano há os skinheads, por
exemplo. Trata-se de um grupo influenciado por ideologias
nazi-fascistas. São grupos amparados em perspectivas de luta opostas.
Na defesa de um modelo social conservador, os skinheads praticam
ações violentas contra segmentos questionadores destes princípios,
entre os quais os squatters. Para se ter uma idéia dos embates entre
squatters e skinheads, o squat Payoll de Curitiba foi alvo de duas
bombas caseiras em 1998. Um de seus membros foi ainda esfaqueado nas
redondezas da ocupação.
Saiba mais:
Advisory Service for Squatters – Serviço de apoio ao movimento squatter